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A influência da visão grega sobre a mulher no texto de I Corintios 14:34,35
É bem verdade que, já abordamos a questão das mulheres dentro do chamado cristianismo na sua origem, mas... em razão de nos depararmos com novas documentações, resolvemos retomar esse tema, afim de trazer mais luz sobre o que outrora já foi abordado!
E, tomando por base, o texto de I Cor 14:34-35, o qual, de acordo com as evidências textuais, trata-se de uma inserção tardia no corpo maior do texto de I Corintios, começaremos nossa análise, levantando as seguintes hipóteses:
1º - teria porventura, o pensamento grego relativo a composição "biológica" das mulheres, influenciado o autor na elaboração desses versos de I Corintios 14:34-35?
2º - porventura, a manifestação pública das mulheres gregas, por não ser bem vista pelo autor, fez com que ele tentasse através do texto de I Cor 14:34-35, silenciá-las?
Vejamos...
Antes de mais nada, precisamos ter bem conceituado em nossa mente, o seguinte: O autor(es) desses versos, tema de nosso estudo, além de cristãos, também eram gregos! Daí, atentarmos-nos para o contexto cultural do mundo grego, na época em que o texto foi escrito, é fundamental, para compreendermos a forma como as mulheres eram vistas dentro desse contexto.
Assim sendo, para respondermos o primeiro ponto levantado para a elucidação desse nosso estudo, recorremos a literatura grega e, ao nos deparamos com textos, como por exemplo: " Problemata" de Aristóteles; " Teogonia" de Hesiodo e, textos de Platão, constatamos a forma como a mulher grega é vista na sociedade da época através das obras desses escritores/filósofos, obras essas que, provavelmente serviram de base para o autor(es) de I Corintos 14:34-35.
No que se refere aos textos de Aristóteles, o que observamos é o seguinte: de acordo com os critérios deste, é feita uma análise sobre as diferentes composições físicas existentes entre o homem e, a mulher. E, de que maneira era descrito essas diferenças? É o que veremos a seguir!
Na visão de Aristóteles, os homens seriam quentes e secos, enquanto que as mulheres, seriam frias e úmidas. E, com base nesse entendimento, defendia-se a resistência maior dos homens no que diz respeito ao chamado "amor erótico" (Eros), amor esse, cujo efeito era suave e liquefeito sobre os homens, ao contrário do que ocorria com as mulheres, onde o calor desse amor erótico, alocava-se mais intensamente no coração e no fígado, tendo como resultado: maior propensão as paixões.
Vejamos abaixo, outros textos de Aristóteles que corroboram com a visão " depreciativa"; preconceituosa" e, "deturpada", as quais, colocavam a mulher numa condição de inferioridade em relação aos homens:
a) " Homem, a menos que constituido em algum aspecto contrário a natureza, é por natureza mais perito na liderança do que a femêa" - Política.
b) " A relação de macho para fêmea é por natureza uma relação de superior para inferior e de governo a governo" - Política.
c) “Portanto, as mulheres são mais compassivas e prontas a chorar, mais invejosas e mais sentimentais e mais contenciosas. A fêmea também está mais sujeita à depressão do espírito e ao desespero do que os homens. Ela é também mais desavergonhada e falsa, mais prontamente enganada, e mais atenta às injúrias, mais ociosa e, em geral, menos excitável que o macho. Pelo contrário, o macho está mais disposto a ajudar e, como já foi dito, mais valente do que a fêmea. -Aristóteles- (Dos animais.)
Dá pra perceber nos textos acima, como a visão de Aristóteles a respeito das mulheres, torna-se útil, para iluminar a crença grega de que estas seriam incapazes de segurar seus impulsos?
Outro texto muito importante da cultura grega, no qual a mulher é colocada em uma condição de um ser incontrolável, é a poesia de Hesiodo chamada Teogonia ( Origem dos deuses), na qual, Pandora, descrita como sendo a Primeira mulher criada por Zeus, como forma de punição aos homens, mostra sua falta de controle (Enkrateia) e, sua falta de moderação ( Sophrosyne) .
Além de Aristóteles e Hesiodo, temos Platão, outro importante filósofo da cultura grega, o qual, em seu texto A República, mostra como era a visão dessa sociedade em relação a natureza das mulheres, confome podemos observar abaixo:
a) " As principais virtudes da donzela era obedecer aos chefes, sendo estes de preferência, o pai ou o marido, ou outro homem autorizado em termos legais" - República
b) " O escravo é totalmente desprovido de elemento deliberativo, a mulher o tem, mas não tem autoridade..." - República
c) " Mulheres e homens tem a mesma natureza em relação a tutela do Estado, salvo na medida que um é mais fraco e, o outro é mais forte" - República
Ressaltamos que, em suas obras, Platão descrevia a forma como a mulher era vista na sociedade grega da época, a qual ele estava inserido! Visão essa que, não necessariamente correspondia a sua, ao contrário do que ocorria com Aristóteles! O qual descrevia a mulher conforme ele a enxergava: como alguém inferior ao homem, propensas a paixões que a tornava inapta para exercer cargos de liderança!
Agora que já fizemos uma breve menção a respeito da visão dos filósofos e da sociedade grega acima, fica mais claro o entendimento acerca de como as mulheres eram vistas na sociedade em que estes estavam inseridos e, como essa visão se propagou pelo mundo helênico/Mediterrâneo, influenciando mais a frente, o que passou a ser chamado de: Cristianismo originário.
E, nisso, alguém pode se perguntar: com base em que, afirmamos que a visão desses filósofos tinham tamanho poder de influência na sociedade grega? Para respondermos essa pergunta, podemos citar o exemplo de Aristóteles, o qual foi recrutado por Alexandre o grande, para ajudar a fomentar o que os historiadores passaram a chamar de helenismo, denotando dessa forma, o seguinte: só mesmo alguém de grande importância e/ou, destaque em uma sociedade, é notado pela liderança que a governa, a ponto de ser chamado por essa liderança, para fazer parte de seu projeto geopolítico com vistas ao expansionismo.
Como podemos perceber, Aristóteles é o que hoje pedemos chamar de "influencer" , ou seja um formador de opinião! Suas obras influenciavam a sociedade da época e, a forma como ele descrevia as mulheres, contribuia para a propagação de uma visão negativa acerca destas.
E, nisso, o leitor pode questionar o seguinte: " mas... sendo Aristóteles e Platão do Século IV AEC e, Hesiodo do Ano 800 AEC, seria possível seus textos exercerem alguma influência na sociedade helência do Século IEC, período em que o texto de Coríntios é datado?
Tal questionamento é válido! Entretanto, convém atentarmo-nos para os seguintes fatos: 1º) processo histórico, muitas vezes, dá-se em um período de longa duração; 2º) processos culturais não se formam do dia pra noite, assim como também não se desfazem de uma hora para outra.
Assim sendo, a conclusão que podemos chegar, de acordo com os fatos enumerados acima é: SIM! É possível que a visão desses filósofos a respeito das mulheres, tenha de alguma maneira, influenciado o autor(es) do texto de I Cor 14:34-37.
Outro ponto fundamental na análise do processo histórico, são as chamadas interações culturais, as quais auxiliam e/ou, aprofundam nosso entendimento no que diz respeito as origens do cristianismo. E, um exemplo concreto dessas interações culturais relacionado a religião judáica e grega, são as Sinagogas localizadas tanto na Diáspora, quanto na Palestina, onde são encontrados, mediante representações em afrescos, mosaicos, relevos e decorações, imagens de deuses gregos, como por exemplo: Hélio e Medusa, os quais, encontram-se representados em uma mescla de símbolos judaicos.
Vejamos na figura abaixo, a forma como o Deus Hélio é representado em um Mosáico da Sinagoga de Beith Alpha, contendo uma roda do zodíaco com 12 símbolos e, nomes dos zodíacos, além de de ser rodeado por 4 figuras femininas, as quais identificam as estações do ano:
Vejamos abaixo, o mosáico de uma roda do zodíaco, na Sinagoga de Tiberíades Hamati:
Vejamos abaixo, a imagem da Deusa Medusa, encontrada em uma Sinagoga da região de Corazim:
As imagens encontradas nas sinagogas só corroboram o que dissertamos sobre as interações culturais. Vejam como a cultura judaica foi largamente influenciada pela cultra grega. Entretando, convém mencionarmos o seguinte: a cultura grega também foi influenciada pela cultura judaica, conforme podemos observar nos textos bíblicos, quando é mencionado a respeito de pessoas nominadas " adoradores de Deus/ tementes a Deus.
São essas pessoas, não judias, que, antes mesmo de receberem o Evangelho apregoado pelos apóstolos, davam testemunho de sua crença no Elohim/Deus de Israel, dentre estes podemos citar: Cornélio ( Atos 10:1-2), Lídia ( Atos 16:14). Tito Justo ( Atos 18:6-7).
As evidências arqueológicas e textuais, deixa-nos claro que, os povos não se comportam de uma maneira única! Vide mosaicos encontrados em Sinagogas datadas do Século III-VII EC, onde os costumes e crenças judaico-grega, misturam-se, formando uma fé diferente do que, as pessoas em seu imaginário, estabelecem como sendo "pura".
Então, por mais que a mensagem do Evangelho, principalmente o que é apregoado por Paulo em algumas de suas cartas, procure passar a mensagem de que, em Cristo, todos são iguais, o que constatamos é o seguinte: tal discurso sob a influência cultural grega, encontrou resistência na Comunidade de Corinto!!!
Daí compreendermos de onde, provavelmente, vem o ensino no qual a mulher deve ficar calada na Congregação; que ela deve ser submissa ao marido e, em caso de dúvidas, suas perguntas e/ou, questionamentos devem ser feitos em casa, ao seu conjuge, que a ela não é permitido exercer liderança na Congregação...
Por isso prezados, fica claro que, o cristianismo já no seu nascimento, foi um movimento que teve êxitos, a saber: no apregoar do Evangelho, nas conversões, na formação de discípulos, nos milagres ralizados no nome do Mashiach... porém, convém mencionarmos que, esse movimento também enfrentou dificuldades/desafios/divergências/conflitos decorrentes de costumes, tradições, na forma de se interpretar os ensinos apregoados pelos apóstolos, dentre eles, o que é tema desse estudo, a saber: a influência da visão grega sobre a mulher.
Diante disso, nossa percepção, acerca da forma como as mulheres eram vistas na sociedade grega, contribuiu para que o texto de Paulo sofresse uma "intervenção" por parte do autor(es) que redigiram o texto de I Cor 14:34-35. E, com base em que, assim afirmamos? E, a resposta é: com base nos versos anteriores, onde o apóstolo Paulo afirma o seguinte: " TODOS podem PROFETIZAR, falar em línguas, interpretar as línguas, cantar um cântico, proferir um ENSINAMENTO ou revelação!
Sendo assim, a conclusão que chegamos é que, o texto de I Cor 14;34-35, foi inserido tardiamente, com um ÚNICO propósito: calar as mulheres!
Bibliografia:
CROSSAN, John Dominic. Em busca de Paulo: Como o apóstolo de Jesus opôs o Reino de Deus ao Império Romano. São Paulo: Paulinas, 2007.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: Um Conceito Antropológico. 21.ed. - Rio de Janeiro. Jorge Zahar. Ed.2007.
NETO, Felinto Pessoa de Faria; CAVALCANTI, Juliana Batista. Cristianismo e Judaismos Antigos: Interações Culturais na Bacia Mediterrânica. 1Ed. - Rio de Janeiro: Kline 2021.
Biblia de Jerusalém
https://espacoastrologico.com.br/zodiacos-nas-sinagogas-da-palestina-romana/
https://www.biblicalarchaeology.org/daily/ancient-cultures/ancient-israel/first-person-the-sun-god-in-the-synagogue/
https://www.asor.org/resources/photo-collection/pid000042